Ministro usa regra da era Vargas para anular autuações por trabalho escravo; auditores acionam STF e alertam para risco de retrocesso histórico

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Anafitra pede que o Supremo suspenda poder de avocação usado por Luiz Marinho em casos da JBS e da Santa Colomba; decisão ameaça 30 anos de combate ao trabalho escravo e a credibilidade da “Lista Suja”

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Anafitra) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, continue utilizando uma norma criada em 1943, durante o Estado Novo, para anular autuações por trabalho escravo e reverter decisões técnicas da fiscalização.

O artigo 638 da CLT, vigente desde a era Vargas, foi invocado pelo ministério para suspender 15 autos de infração contra a JBS Aves Ltda., reconhecidos por auditores como casos de trabalho análogo à escravidão.

Mesmo após o ajuizamento da ação no STF, uma nova avocação beneficiou a Santa Colomba Agropecuária S.A., empresa na qual um trabalhador foi algemado, agredido e mantido em cárcere privado em uma fazenda na Bahia. O pedido de revisão foi assinado pelo ex-deputado João Paulo Cunha, condenado no caso do mensalão e atual advogado da empresa.

“Se esse artigo continuar valendo, 30 anos de combate ao trabalho escravo serão jogados por terra. A cada interferência política, o Brasil retrocede décadas e abre espaço para que o ministro de plantão decida quem entra ou não na Lista Suja. É o fim da efetividade dessa política pública”, alerta Mário Diniz Xavier de Oliveira, Auditor Fiscal do Trabalho e membro da Coordenação Executiva Nacional da Anafitra.

Rodrigo Carvalho, também Auditor Fiscal do Trabalho e membro da Coordenação Executiva Nacional da Anafitra, reforça: “Estamos diante de um precedente inédito, algo que não ocorreu nem durante o governo Bolsonaro. Se esse poder de avocação continuar existindo, qualquer ministro poderá anular o trabalho técnico de uma equipe inteira. Isso destrói a confiança na fiscalização e compromete a imagem internacional do Brasil.”

Ação no STF e despacho de Barroso

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1267, proposta pela Anafitra, pede que o artigo 638 da CLT seja declarado inconstitucional por violar os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência da administração pública, além de descumprir a Convenção 81 da OIT, que garante autonomia e independência à inspeção do trabalho.

Em 3 de outubro, o ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, reconheceu a relevância constitucional da matéria e aplicou o rito abreviado, permitindo julgamento direto pelo Plenário.

 O despacho do STF destaca o “especial significado para a ordem social e a segurança jurídica” da questão e determina que o Congresso Nacional e o Ministério do Trabalho e Emprego prestem informações em 10 dias, seguidas das manifestações da AGU e da PGR.

Os autos em discussão referem-se aos 15 processos administrativos da JBS Aves Ltda. (nº 14152.075085/2025-17 a 14152.075095/2025-52), suspensos por decisão do ministério.

“O Supremo sinalizou que a questão ultrapassa o campo administrativo. Está em jogo a credibilidade de uma política de Estado reconhecida internacionalmente”, afirma Rodrigo Carvalho.

Lista Suja e o risco de desmonte

A Lista Suja do Trabalho Escravo foi criada em 2003, após acordo do governo brasileiro com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no caso José Pereira (1989), e é considerada um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo do mundo.

A lista dá transparência a empregadores flagrados explorando mão de obra degradante e é usada por bancos, grandes empresas e organizações internacionais como referência de responsabilidade social. Em sua última atualização, no dia 6 de outubro, a JBS ficou fora da Lista Suja justamente por causa da decisão ministerial.

A Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo) publicou nota de protesto, com apoio de diversas entidades da sociedade civil, classificando as avocações como “grave retrocesso institucional”.

“A Lista Suja é o símbolo do compromisso brasileiro com os direitos humanos. Desmontar esse sistema é trair um legado que o país construiu ao longo de décadas”, avalia Mário Diniz.

O que há de novo

●             STF aplica rito abreviado à ADPF 1267 proposta pela Anafitra.

●             Ministro Luiz Marinho usou artigo de 1943 para reverter autuações por trabalho escravo (JBS e Santa Colomba).

●             Segunda avocação ocorreu após o ajuizamento da ação, elevando a urgência do julgamento.

Por que importa

●             Pode definir os limites de atuação do Ministério do Trabalho e garantir a autonomia dos Auditores Fiscais do Trabalho.

●             Afeta diretamente a credibilidade da Lista Suja, referência internacional de transparência.

●             Coloca em risco 30 anos de avanços no combate ao trabalho escravo no Brasil.

O que pede a Anafitra ao STF

1.            Declaração de não recepção do artigo 638 da CLT pela Constituição de 1988;

2.            Anulação dos atos de avocação dos 15 processos da JBS Aves Ltda.;

3.            Restabelecimento do curso regular dos processos e da inclusão das empresas na Lista Suja.

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