“Sem preconceito/ Ou mania de passado/ Sem querer ficar do lado/ De quem não quer navegar/ Faça como um velho marinheiro/ Que durante o nevoeiro/ Leva o barco devagar”
No “Argumento” de Paulinho da Viola, música que ouvia no carro a caminho da Estação da Luz, encontrei o sentindo que buscava para me direcionar ao público presente no Pina Ball, o baile de 120 anos da Pinacoteca, aquilo que estava no meu coração.
Tive a honra de presidir o Pina Ball, baile de arrecadação realizado nesta terça-feira (16). O trabalho, porém, começou muito antes e se tornou oficial no dia em que aceitei o convite, feito à mesa do restaurante, por Jochen Volz, diretor do museu, Marília Gessa, diretora de captação, e Cláudio Sonder, presidente do Conselho de Administração –do qual faço parte desde o último ano.
Foram inúmeras reuniões que eu e Marília conduzimos com patrocinadores, patronos, patronas e empresas de relações públicas, sempre com o objetivo de obter o melhor serviço ao menor custo possível, para alcançar a arrecadação que o museu necessita a fim de se colocar à altura de sua grandeza no Brasil e no mundo.
Um argumento que me fisgou para entrar de corpo inteiro nessa missão foi constatar que havia mais brasileiros apoiadores do Metropolitan Museum, em Nova York, do que da própria Pinacoteca –um absurdo dos nossos tempos. Ainda carecemos de dados concretos, mas creio que essa distorção começou a ser corrigida com os frutos do baile. Ainda assim, há muito a avançar.
É fundamental que empresas e pessoas com condições para tanto apoiem o museu. Nesse sentido, o programa de patronos e patronas da Pinacoteca é um dos mais desenvolvidos e acessíveis do mundo. Digo isso também por experiência própria, pois tenho orgulho de ser patrona mantenedora e incentivo outras pessoas a fazerem o mesmo.
Como patrona, pude ter acesso a diversas atividades. A mais impactante ocorreu em junho, quando tive a oportunidade de viajar à África do Sul na companhia de Jochen, de Marina Mantoan, então diretora de Relacionamento com Patronos, e de colegas do programa.
Visitamos museus, galerias e residências de colecionadoras em Joanesburgo e na Cidade do Cabo. Conhecemos iniciativas e centros culturais incríveis –o Zeitz Museum, por exemplo, é simplesmente extraordinário.
Faço este depoimento porque sei que muitos leitores e leitoras desta Folha podem se interessar em entrar no programa e, assim, fortalecer a Pinacoteca. E reitero: é mais acessível do que parece; sugiro que busquem informações nos canais oficiais do museu.
Abro parêntese: não é o objeto central deste texto, mas não resisto a relembrar a visita à residência da maior colecionadora de arte do continente africano, uma mulher negra. Para mim, tão desacostumada a ver mulheres negras ricas no meu país, foi impactante conhecer alguém que tinha mais recursos do que qualquer pessoa da comitiva brasileira. Uma empresária brilhante, elegante, culta, poliglota, que nos apresentou um acervo formado sobretudo por obras de mulheres negras de diversos países africanos. Diante de um grupo de brasileiros no qual eu era a única pessoa negra, foi uma experiência inesquecível, pois ainda é inimaginável de acontecer algo similar em nosso país. Fecho parêntese.
Assumir o valor do poder econômico das nossas instituições públicas é urgente. É por isso que também atuo como conselheira do Fundo Patrimonial da USP, pois entendo que programas robustos de arrecadação, reservas e investimentos são necessários para alcançarmos a excelência competitiva no cenário internacional.
O baile foi mais um passo nesse caminho para a Pina. E penso que o fizemos com êxito. Agradeço e parabenizo os trabalhadores e trabalhadoras da Pinacoteca, que não apenas tornaram aquela noite possível mas que diariamente sustentam a grandeza cultural de um dos mais importantes museus da América Latina.
Naquela noite, subi ao palco para dizer algumas palavras e celebrar um museu que tem a coragem de imaginar o futuro sem perder de vista a força do seu passado, reconhecendo quem veio antes e dedicou uma vida inteira à construção desse patrimônio cultural paulista e brasileiro. Foi com esse sentimento de gratidão e honra que pude prestar uma homenagem à Aracy Amaral, baluarte da velha guarda da Pina.
Ao final, tive a alegria de anunciar e receber Paulinho da Viola –ídolo máximo de meu pai. Abracei-o com sua música no meu peito e tive a certeza de que o barco segue navegando. Devagar quando é preciso, firme sempre, e com o coração entregue a uma missão que é maior do que nós.
Vida longa à Pina!
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Fonte ==> Uol