A direita venceu a disputa de narrativas – 11/11/2025 – Wilson Gomes

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A direita venceu a disputa de narrativas - 11/11/2025 - Wilson Gomes

Quem estuda comunicação política conhece o roteiro: primeiro vem o acontecimento, depois a disputa pela interpretação dele e, enfim, a competição pelas narrativas que dão sentido aos fatos. Ingênuo é quem acha que acontecimentos políticos são fatos objetivos e independentes, cujo significado só não é captado por desatenção ou má-fé.

Por mais que o Estado, o jornalismo e os especialistas tentem estabelecer diagnósticos confiáveis, o que fica é o resultado da luta social e política pela interpretação do acontecido —e as narrativas que sobrevivem na memória coletiva.

Quando cessaram os tiros nos complexos da Penha e do Alemão, começou a verdadeira batalha da comunicação política. Há duas semanas, nada move tanto o debate público quanto o conflito de interpretações sobre a operação.

Foi uma “chacina”, além de um fracasso, sem sombra de dúvida, para a esquerda convencional e os progressistas em geral. Tratou-se, obviamente, de mais um episódio do “genocídio” do povo negro, disse e pranteou a esquerda identitária. Já a terceira leitura não vacila em afirmar que, enfim, o poder público fez alguma coisa contra os criminosos que infernizam a vida dos moradores da periferia. Antes tarde que nunca.

Três leituras, duas irreconciliáveis, enraizadas em racionalidades distintas. As duas primeiras dominaram o jornalismo, o debate especializado e os ambientes progressistas em geral; a terceira, o ambiente digital e a percepção popular.

A novidade no caso foi a rapidez com que as pesquisas captaram e mediram o conflito de interpretações: dias depois, já sabíamos que a opinião pública está do lado de quem viu bandidos —não negros nem vítimas— sendo mortos pela polícia e acredita que já não era sem tempo para o poder público usar seu poder de fogo contra o crime organizado.

Talvez tenha sido a primeira vez que um conflito interpretativo desse tipo foi medido em tempo real —e que essa mensuração foi levada em consideração por quem disputava a percepção pública. Outra novidade consistiu no fato de que a posição vencedora não foi a dos progressistas, que costumam ter vantagens na disputa pela opinião pública, por ser endossada por jornalistas, intelectuais e pela parte mais visível da política institucional.

E poucos terão notado, mas quando a maior autoridade do país, o presidente, apareceu para endossar a interpretação do acontecido como “chacina” e para defender o enquadramento da operação como fracasso, a sua já era posição vencida na percepção pública.

Por que insistir, então? Primeiro, porque a disputa pela percepção nunca termina. Pesquisas são fotografias; a memória coletiva é um filme em andamento. As narrativas decidirão o que ficará gravado até a eleição.

Segundo, porque a polarização permite que cada grupo viva em sua bolha moral, sem se importar com o que o outro pensa. “Lei e ordem” sempre foram pautas da direita; a esquerda, fiel à tradição, continua sem muito a dizer além das velhas abstrações sobre injustiça estrutural. A esquerda continua não gostando de polícia, armas ou de um Estado que mata. No máximo, incorporou a novidade de que é preciso substituir violência por inteligência.

Os identitários continuam autocentrados. Não veem pobres, bandidos, facções, lei, crime ou qualquer outra coisa que não “corpos pretos” ou “periféricos”. Se até catástrofes ambientais são explicadas pelo racismo, o que dizer de uma operação policial em “território negro”?

Conservadores são, desde sempre, fascinados por lei e ordem, e a direita não tem problema com o uso da violência legal contra marginais. Acreditam que o crime é escolha, que a punição é dever e que proteger os cidadãos honestos é missão central do poder público.

Cada grupo continuará acreditando no que sempre acreditou, agarrado às próprias premissas e convencido de que o que o outro lado afirma não pode sequer ser considerado. E poderiam continuar assim, não fosse um obstáculo atual: as chances eleitorais de cada lado podem ser afetadas por sua afinidade com a percepção pública no tema da segurança.

A má notícia para a esquerda vem das pesquisas de opinião das últimas semanas: quando se trata de sintonia com a média dos brasileiros, sai em desvantagem. Sua distância do juízo da população sobre o crime —e sobre como o Estado deve enfrentá-lo— é enorme. Gritar “chacina” e denunciar “genocídio” não será suficiente. A questão é se vai querer —ou conseguir— falar a língua moral do país, aquela em que justiça soa como punição e autoridade ainda é sinônimo de proteção.


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Fonte ==> Uol

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